sexta-feira, 25 de maio de 2012

Autismo Infantil à luz da Psicanalise








O ser humano ocupa a mais alta posição da escala evolutiva no reino animal, e ainda assim, o bebê humano nasce numa situação de total dependência de cuidados para sobreviver. Desde o nascimento o bebê necessita de proteção e cuidados, entre eles alimentação e higiene, os quais serão os responsáveis pelas primeiras experiências de prazer e desprazer do indivíduo.
 A criança, ao nascer não sobrevive sozinha. É necessária a presença de outra pessoa para garantir sua sobrevivência. Quem garante esta sobrevivência é a mãe ou um cuidador que cumpre a função materna. Geralmente a mãe desempenha sua função em conjunto com o pai da criança ou outra pessoa que assuma a função paterna. Somente partir desta relação com os pais, a criança poderá se constituir como sujeito. O sujeito da psicanálise é o sujeito do inconsciente enquanto manifestação única e singular. Logo, a intervenção do agente da função materna é, portanto, a condição de possibilidade de seu vir-a-ser.
O principal axioma de Lacan é: ”o Inconsciente é estruturado como linguagem”, portanto, somos estruturados a partir da fala e da linguagem. Para o psicanalista “as palavras fundadoras, que envolvem o sujeito, são tudo aquilo que o constituiu, seus pais, seus vizinhos, toda a estrutura da comunidade, que o constituiu não somente como símbolo, mas no seu ser”. Disso decorre que estamos sujeitos ao efeito do inconsciente, uma vez inseridos no mundo da linguagem, lidamos todo o tempo com palavras, com imagens e com símbolos que se articulam continuamente.
A teoria psicanalítica considera o autismo como resultado da falha no processo de constituição do sujeito, devido a falhas na relação da criança com seus pais, ou seja, no exercício da função materna e na função paterna. Essas falhas podem ocorrer quando a mãe deixa de dar uma resposta a uma demanda do bebê. Referente a função paterna, a falha ocorre quando não há  investimento de um terceiro indivíduo que possa contribuir na constituição psíquica da criança.


Breve histórico sobre o autismo

O termo autismo foi criado por Eugen Bleuler em 1907, para designar o ensimesmamento psicótico do sujeito em seu mundo interno e a ausência de qualquer contato com o exterior, que pode chegar inclusive ao mutismo.
A síndrome do autismo foi descrita pela primeira vez em 1943, num artigo escrito originalmente em inglês “Distúrbios Autístico do Contato Afetivo” pelo psiquiatra Leo Kanner. Kanner descreveu um grupo de onze casos clínicos de crianças apresentavam inabilidade para se relacionarem com outras pessoas desde o início da vida, falha na comunicação e dificuldades para lidar com quaisquer mudanças. Estas crianças aprestavam em comum as seguintes características: um autismo extremo, a obsessividade, as estereotipias e a ecolalia. Segundo Kanner, o autismo era causado por pais altamente intelectualizados, pessoas emocionalmente frias e com pouco interesse nas relações humanas da criança.
Depois de postular uma origem psicogênica para o autismo e afastar a questão do aspecto dos distúrbios precoces, vários psicanalistas, nos Estados Unidos, França e Inglaterra, começaram a desenvolver as ideias kleinianas e annafreudianas para a análise de crianças autista.


Autismo Infantil

O autismo é um distúrbio do desenvolvimento humano. Designa-se de “autista" a pessoa afetada pelo autismo e de “autístico” tudo aquilo que caracteriza o autismo.
A incidência do autismo é mais frequente no sexo masculino. Os sinais e sintomas da síndrome do autismo podem manifestar-se desde os primeiros dias de vida até os três anos de idade.
A psicanálise inclui a síndrome do autismo no campo das psicoses e desde Kanner a questão dos pais toma uma posição central para a compreensão da etiologia do autismo. Para Jerusalinsky aparecimento tanto de traços como de quadros autistas está intimamente vinculado ao desequilíbrio do encontro do agente materno com a criança. Sendo que este desequilíbrio depende, por um lado, do status psíquico deste agente e, por outro lado, das condições constitucionais da criança para se apropriar dos registros imaginário/simbólico que entram no jogo do vínculo.



Características comportamentais das crianças autistas

As principais características do autismo são: desvios dos padrões qualitativos na comunicação, socialização, iniciativa, imaginação e criatividade. As estereotipias no autismo são variadas e se processam em determinadas horas do dia, e podem agravar-se em momentos de ansiedade.
 O autista apresenta uma inabilidade inata de estabelecer contato afetivo e interpessoal com o mundo à sua volta. Ausência de sorriso social. Busca pouco ou nenhum contato visual e agem como se estivesse surdo. Observa-se claramente isto ao observar uma criança autista brincando. Suas brincadeiras demonstram falta de criatividade ou imaginação. Seus jogos, ou seu brincar é mecânico, normalmente com movimentos repetitivos, como, rolar um canudo entre os dedos ou acender apagar a luz. Não demonstra interesse em brincar com os outros, de partilhar um brinquedo e prefere o isolamento. É frequente o uso de objetos autisticos (ou confusionais), termo usado por Tustin para descrever brinquedos duros (como trens ou carrinhos) ou macios (bonecos de pelúcia) que a criança carrega constantemente consigo. Outro hábito frequente da criança autista é ficar horas assistindo os mesmos filmes ou desenhos animados e usando o controle remoto para repetir as partes que querem ver  pretendem pular.
Também é comum, ver crianças autistas abraçando e beijando as pessoas. Esta atitude, que aparenta uma aproximação afetiva, não tem intenção de troca, mas sim um comportamento repetitivo, pois a criança é incapaz fazer diferenciações de pessoas, lugares e ocasiões. E ainda, as mudanças de rotina, como por exemplo, a dos móveis da casa, ou até mesmo de um brinquedo, é capaz de perturbar algumas crianças autistas.
A fala ou linguagem nos autista podem estar ausentes (mutismo). Podem apresentar ritmo imaturo da fala, quando surge, é arrítimica, atonal, sem inflexões e não transmite emoções. Articulam palavras repetidas (ecolalia) sem associação com o significado e geralmente associada ao uso inadequado do pronome pessoal. Têm dificuldade em expressar suas necessidades,  gesticulam e apontam no lugar de palavras.
Costumam ter apego exagerado a um objeto em particular que guardam o tempo todo e reagem quando lhes for retirado.
Resistem à mudança de rotina.
As vezes se isolam e falam baixinho ou riem sem motivo
Podem manter posições bizarras maneirismos e estereotipias, principalmente de mãos e dedos e ainda, fixarem um objeto ficando de cócoras ou impedirem a passagem por uma porta, somente liberando-a após tocar de uma determina maneira os alisares.
Nas formas mais graves podem apresentar comportamento destrutivo e se automutilarem, pois possuem uma aparente insensibilidade a dor, ou extrema aflição sem razão aparente, tornando-se agressivas ao que lhe vem pela frente sejam pessoas, animais, ou coisas.


Autismo na clínica psicanalítica

Sigmund Freud revolucionou o pensamento a respeito da criança em vigor na época, com suas teorias sobre a dinâmica do inconsciente, a sexualidade infantil e o complexo de Édipo. Freud acreditou no uso a técnica psicanalítica com crianças ao publicar, em 1909, a análise de uma criança de cinco anos, o caso do "Pequeno Hans”.
Na prática clínica é comum os pais relatarem um fato marcante que pode ter ocorrido antes, depois ou durante o nascimento da criança, que repercutiu na vida familiar e, consequentemente na vida do bebê. Trata-se, portanto de um acontecimento que repercutiu na vida psíquica dos pais fazendo ressurgir a problemática da castração. O nascimento de um filho autista é capaz de criar uma ferida narcísica que sangra sem parar produzindo uma imensa dor psíquica nos pais. Sendo assim é necessário escutar e acompanhar os pais durante todo o processo psicanalítico de seus filhos.


A função materna e a função paterna

No texto “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” de 1905, Freud discorre da importância das primeiras relações mãe-bebê e de como ela se origina dos sentimentos dessa mãe com a sua própria sexualidade.
A criança existe psiquicamente na mãe muito antes de nascer. Ao nascer o bebê traz consigo uma potencialidade renarcisante, à medida que a criança nasça organicamente saudável e perfeita.  O nascimento de um filho é capaz de devolver o sentimento de potência ao casal parental.
A concepção de um filho é capaz de promover na mulher uma sensação de completude, dando inclusive a sensação de que nada lhe falta, até o marido e pai do seu filho lhe parece dispensável Para o homem a satisfação de se reconhecer no rosto do filho, perpetuar a família e reafirmar sua potencia fálica. Assim, o agente materno investe imaginaria mente o infans como o que preenche o que lhe falta e por isso o deseja.
Os lacanianos referem-se à função materna, num sentido descritivo, como do lugar que ocupa o agente de intermediação do simbólico para a criança – o Outro. Este Outro é seu semelhante e é o representante do campo simbólico. Sendo assim, na relação da criança com o Outro materno, há uma falha radical na simbolização, que esse Outro se torna real, não simbolizado.  De acordo com Jerusalinsky o bebê humano, requer a presença real de um agente que o receba num espaço virtual (o lugar de sua falta), espaço no qual esse infans se espelha (se imaginariza). Esse espaço se cava no agente materno na medida em que existe nele uma referência ao simbólico. Para ser mais preciso, é necessário que esse agente seja capturado pela castração simbólica, inscrito metaforicamente no Nome-do-Pai. Ou seja, Não verdadeiramente agente materno sem referência à Função do Pai, porque este agente se constitui como tal só no seu nome. Só assim o filho é objeto de desejo, e só assim, então, a mãe se inscreve (escreve?) no corpo dele as marcas do simbólico. Esta é por excelência, a função materna.
Para o pediatra e psicanalista D.W. Winnicott, o “bom funcionamento” do laço com a mãe é que permitiria à criança organizar o seu eu.
Winnicott  faz referência a três funções maternas e que são exercidas simultaneamente: a apresentação do objeto; o holding e o handling.
A função materna da apresentação do objeto, é a amamentação do seio ou da mamadeira. A mãe ao oferecer o seio ou mamadeira em horários regulares, dará ao bebê a ilusão de que ele mesmo criou o objeto do qual sente a necessidade.
Na função da mãe no holding ou sustentação, a mãe protege o bebê dos perigos fisicos diante a ignorancia da criança à realidade externa. Winnicott enfatiza a maneira da mãe segurar a criança, a principio fisicamente, mas também psiquicamente. A repetição deste gesto fará com que o eu nascente do bebê encontre pontos de referencia, necessários para sua integração no tempo e no espaço.
A terceira função materna através do holdling, corresponde a manipulação do corpo do bebê durante os cuidados necessários  à manutenção do bem-estar do bebê, e que favorece a experiência da sua vida psíquica e seu corpo.
Winnicott desenvolveu estudos com criança refugiadas e privadas da presença materna durante a guerra, levando-o a considerar a importância da dependência psiquica e biológica da criança em relação à mãe .
Para Winnicott a mãe capaz de adaptar-se perfeitamente as necessidades do filho, durante seus primeiros meses de vida, é chamada de “mãe suficientemente boa”, ou seja, a mãe capaz de tornar possível a criança “desenvolver uma visa psiquica e fisica fundamentada em suas tendências inatas.
Já a  “mãe insuficientemente boa”, segundo Winnicott pode corresponder a uma mãe real ou a uma situação, ou seja “não a uma pessoa, mas à ausencia de alguem cujo apego à criança seja simplesmente comum”. No caso da mãe real, esta pode ser incapaz, estar ausente ou ser muito intrusiva. Assim, a mãe pode ser incapaz de se identificar com as necessidades do filho, ou seja, em vez de responder a demanda do bebê ela os substitui pelos seus.

Considerações finais

A concepção de um filho autista é uma possibilidade nunca imaginada por um casal. A chegada de uma criança com autismo pode trazer aos pais  sentimentos de culpa, frustração, impotência, rejeição, entre outros. Muitos pais de autistam chegam a viver na negação.
Durante a pesquisa  observou-se que entre muitos autores consideram o autismo como tendo etiologia orgânica e outros apontam a psicogênese, e ainda que muitos defendem uma multideterminação.
O diagnóstico deve ser feito por um profissional qualificado, tendo como base o comportamento, anamnese e observação clínica da criança. Geralmente o bebê autista é tido como a criança “boazinha”  que raramente chora ou faz birra, e que prefere ficar no berço a aninhar-se no colo.  Assim, um dos problemas enfrentados no tratamento psicanalítico do autismo infantil refere-se ao encaminhamento tardio da criança, que geralmete chega quando os sintomas já estão cristalizados.
Até o momento não existe um tratamento específico para o autismo, mas, de acordo com o grau de comprometimento e da intensidade, a criança autista será capaz desenvolver comunicação verbal, ser  alfabetizada, a integração social, entre outras habilidades.
Conclui-se portanto que a intervenção psicanalítica precoce  é o melhor procedimento para propiciar o desenvolvimento favorável do sujeito autista.


Referências

AMA - Associação de Amigos do Autista. Disponível em: http://www.amigosdoautista.com.br

CAVALCANTI, A. E. e. ROCHA, P.S. Autismo: construções e desconstruções. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001.

FREUD, S. (1905) Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Vol. VII. In:
Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio
de Janeiro: Imago, 2006.

JERUSALINSKY, A. Psicanálise do autismo. Porto Alegre: Artes Médicas, 1984.

KANNER L. In: Os distúrbios autisticos do contato afetivo. ROCHA, P.S.(org.). Autismos. São Paulo: Escuta, 1997.p. 11-170.

NASIO, J.D.(Org.) Introdução às obras de Freud, Ferenczi, Groddeck, Klein, Winnicott, Dolto, Lacan. Rio de Janeiro: Zahar, 1995.

PINTO, M.C. O livro de ouro da psicanálise. Rio de Janeiro: Ediouro, 2007.

RIBEIRO, J.M.L.C. A criança autista em trabalho. Rio de Janeiro: 7Letras, 2005.
ROCHA, P.S. In: Rumo a Itaca. ROCHA, P.S.(org.). Autismos. São Paulo: Escuta, 1997.p. 15-26.

ROUDINESCO, E., e M. PLON. Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

SILVA, A. R.R. O Mito Individual do autista. In: ROCHA, P.S.(org.). Autismos. São      Paulo: Escuta, 1997. p. 27-38.

VOCARO, A. A criança na clínica psicanalítica. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2004.











Borboleta: 3

Refletindo:
" Crianças são como borboletas ao vento... algumas voam rápido... algumas voam pausadamente... mas todas voam do seu melhor jeito. Cada uma é diferente, cada uma é linda e cada uma é especial."


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