Neste texto pretendo discutir o tema Violência e Agressividade
no contexto escolar brasileiro, pensada à luz da Psicanálise e visa empreender
um estudo buscando articular um diálogo entre Educação, Psicanálise e Saúde Pública.
Por ser um assunto, contemporâneo, complexo e com elevados índices de situações
envolvendo violência nas escolas, com a participação de jovens estudantes, vem
gerando muitas inquietações e discussões nos diferentes segmentos da sociedade
brasileira.
O tema torna-se relevante para compreender o fenômeno bullying, suas causas e consequências
nocivas à saúde física, mental e na aprendizagem dos envolvidos, assim como, o
seu poder propagador e seus desdobramentos na vida adulta oferecendo subsídios
teóricos para o enfrentamento do fenômeno.
Abordarei essencialmente os conceitos de pulsão de morte e
repetição numa visão psicanalítica, articulando-os a violência no contexto
escolar. Atualmente, as diferentes modalidades de violência presentes na sociedade
não só atingem os espaços privados, mas também as de domínio público, entre
eles, a escola.
A escola é um espaço de encontro entre diferentes indivíduos
com diferentes realidades familiares e sociais, o que favorece o aparecimento
de conflitos. Chauí (1985) fornece um conceito abrangente a respeito da
violência:
Entendemos por violência uma
realização determinada das relações de forças, tanto em termos de classes
sociais, quanto em termos interpessoais. Em lugar de tomarmos a violência como
violação e transgressão de normas, regras e leis, preferimos considerá-la sob
dois outros ângulos. Em primeiro lugar, como conversão de uma diferença e de
uma assimetria numa relação hierárquica de desigualdade, com fins de dominação,
de exploração e opressão. Isto é, a conversão dos diferentes em desiguais e a
desigualdade em relação entre superior e inferior. Em segundo lugar, como a ação
que trata um ser humano não como sujeito, mas como coisa. Esta se caracteriza
pela inércia, pela passividade e pelo silêncio de modo que, quando a atividade
e a fala de outrem são impedidas ou anuladas, há violência.
O bullying escolar
O bullying é um fenômeno mundial, que pode ser encontrado em
toda e qualquer escola, não estando restrito a nenhum tipo específico de
instituição: primária ou secundária, pública ou privada. O bullying escolar é, na atualidade, um dos temas que mais preocupa
os pais e profissionais das áreas de educação, saúde e segurança pública.
Estudos mostram números cada vez mais preocupantes de tal prática nas
instituições de ensino.
O termo bullying
tem origem Europeia. É uma forma de comportamento complexo com múltiplas
facetas, sendo conceituado como um conjunto de comportamentos violentos e
agressivos, físicos e/ou psicológicos; adotados de maneira individual ou grupal
contra um ou mais indivíduos e caracterizado por sua natureza repetitiva e pelo
desequilíbrio de poder, causando dor, angustia e sofrimento.
Violência e
agressividade na teoria psicanalítica
Freud entendia a Psicanálise como um sistema de
personalidade, na qual abordava três áreas: as forças motivadoras do
inconsciente, os conflitos entre essas forças e os efeitos desses conflitos.
O texto O mal estar na Civilização (1930-[1929]) pontua que agressividade
ou violência sempre esteve presente na história da humanidade. Nessa obra Freud
afirma que somos violentos ao reconhecer “a existência da inclinação para a
agressão, que podemos detectar em nós mesmos” e ainda cita a hostilidade de
cada indivíduo contra todos e de todos contra um determinado indivíduo. As palavras
de Freud reverberam nas palavras de Birman:
Não resta dúvida de que a violência
é uma marca que perpassa a história humana, estando presente não apenas em diversas
tradições culturais como também em todas as sociedades. Não obstante as múltiplas
diferenças existentes nessas e naquelas, nos registros político, religioso e
simbólico, a violência está sempre lá, como traço indelével da experiência
social, regulando e desregulando ao mesmo tempo as relações entre as
subjetividades.
Na visão freudiana, O Complexo de Édipo marca a entrada da
criança na cultura, logo a violência se faz presente na entrada do homem na
cultura, ou seja, a violência é um ato de cultura. A violência é diferente da
agressividade, que é um componente natural dos seres humanos e dos animais
O termo pulsão permeia toda a obra freudiana. Em alemão, as
palavras Trieb e Instinkt são sinônimas. Freud adotou a palavra Trieb para traduzir o termo pulsão e diferenciá-la da palavra Instinkt traduzida como instinto. Assim,
para Freud Instinkt seria traduzido
para o impulso inato animal, deixando a palavra Trieb para designar a força
motivadora humana.
Na teoria freudiana a agressividade tem uma origem biológica
e social com uma tendência inata para a destruição. Esta tendência pode ser
direcionada para o exterior (tendo como alvo outros indivíduos ou propriedades)
ou para o interior (podendo levar à automutilação ou suicídio). Freud afirma que, realmente, parece necessário
que destruamos alguma outra coisa ou pessoa, a fim de não nos destruirmos a nós
mesmos, a fim de nos protegermos contra a impulsão de autodestruição.
Para Freud essa agressividade resultada da relação
intrínseca entre as pulsões de vida ou sexuais com as pulsões de morte.
O termo pulsão de morte surge pela primeira vez em 1920, no
texto freudiano Mais além do princípio do prazer levando Freud a compreender
melhor os fenômenos clínicos vinculados à compulsão e à repetição, via pela
qual as experiências desagradáveis e que incomodam o sujeito são rememoradas em
vez de serem esquecida. A pulsão de morte na teoria freudiana apresenta-se como
um impulso que visa restaurar um estado anterior de coisas. A energia
proveniente da pulsão de morte é "agressiva".
Lacan profere em A ética da Psicanálise: “A pulsão, como
tal, e uma vez que é então pulsão de destruição, deve estar para além da
tendência ao retorno ao inanimado. O que ela poderia ser? - Senão uma vontade
de destruição direta”, ou seja, a pulsão de morte é a pulsão em si mesma.
Na leitura das obras de Freud observar-se que, a ideia de
uma tendência à repetição sofre modificações teóricas no seu percurso,
tornando-se um conceito de grande importância para a Psicanálise.
O psicanalista francês Jacques Lacan (1963-1964) em O
seminário, livro, 11 a considera como um dos quatro conceitos fundamentais da
psicanálise.
Desde os primeiros textos de Freud a ideia de uma tendência
à repetição (Widerholung) liga-se à
de compulsão (Zwang). A repetição
funde-se ao funcionamento psíquico inconsciente.
Apesar de, o termo compulsão ter sido documentado numa carta
ao médico alemão Wilheim Fliess em 1894, o conceito de compulsão à repetição aparece
pela primeira vez na obra freudiana em Recordar, repetir e elaborar escrita em
1914. Neste texto Freud articula a transferência e a resistência com a
compulsão à repetição.
A pulsão de morte se presentifica em qualquer momento no
qual o sujeito esteja diante uma situação ameaçadora, e a compulsão a repetição
emerge como manutenção do principio de prazer. Assim a partir da repetição o
sujeito busca elaboração numa tentativa frente aos acontecimentos traumáticos.
Lacan, ancorado na obra freudiana, define a violência como
um excesso pulsional e como gozo. Logo, tanto na violência como no sintoma, o
gozo está sempre presente, ou seja, há satisfação pulsional tanto para os
agressores quanto para as vítimas do bullying.
Referências
BIRMAN, J. Violência, segregação e formas de subjetivação.
In: Cadernos sobre
o mal: Agressividade, violência e crueldade. Rio de Janeiro:
Civilização
Brasileira, 2009.
CHAUÍ, M. Participando do debate sobre mulher e violência.
In: Perspectivas
antropológicas da mulher. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. p. 25-62.
COSTA, J. F. Violência e psicanálise. 2ed. Rio de Janeiro:
Graal, 1986.
FANTE, C. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas
escolas e
educar para paz. 2. ed. Campinas: Versus, 2005.
FREUD, S. (1914) Pulsão e destinos da pulsão. In: Escritos
sobre a psicologia
do inconsciente, Vol. I. Rio de Janeiro: Imago, 2004.
Mudanças são possíveis!
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