domingo, 27 de maio de 2012

Violência e Agressividade no contexto escolar






Neste texto pretendo discutir o tema Violência e Agressividade no contexto escolar brasileiro, pensada à luz da Psicanálise e visa empreender um estudo buscando articular um diálogo entre Educação, Psicanálise e Saúde Pública. Por ser um assunto, contemporâneo, complexo e com elevados índices de situações envolvendo violência nas escolas, com a participação de jovens estudantes, vem gerando muitas inquietações e discussões nos diferentes segmentos da sociedade brasileira.
O tema torna-se relevante para compreender o fenômeno bullying, suas causas e consequências nocivas à saúde física, mental e na aprendizagem dos envolvidos, assim como, o seu poder propagador e seus desdobramentos na vida adulta oferecendo subsídios teóricos para o enfrentamento do fenômeno.
Abordarei essencialmente os conceitos de pulsão de morte e repetição numa visão psicanalítica, articulando-os a violência no contexto escolar. Atualmente, as diferentes modalidades de violência presentes na sociedade não só atingem os espaços privados, mas também as de domínio público, entre eles, a escola.
A escola é um espaço de encontro entre diferentes indivíduos com diferentes realidades familiares e sociais, o que favorece o aparecimento de conflitos. Chauí (1985) fornece um conceito abrangente a respeito da violência:

Entendemos por violência uma realização determinada das relações de forças, tanto em termos de classes sociais, quanto em termos interpessoais. Em lugar de tomarmos a violência como violação e transgressão de normas, regras e leis, preferimos considerá-la sob dois outros ângulos. Em primeiro lugar, como conversão de uma diferença e de uma assimetria numa relação hierárquica de desigualdade, com fins de dominação, de exploração e opressão. Isto é, a conversão dos diferentes em desiguais e a desigualdade em relação entre superior e inferior. Em segundo lugar, como a ação que trata um ser humano não como sujeito, mas como coisa. Esta se caracteriza pela inércia, pela passividade e pelo silêncio de modo que, quando a atividade e a fala de outrem são impedidas ou anuladas, há violência.



O bullying escolar

O bullying é um fenômeno mundial, que pode ser encontrado em toda e qualquer escola, não estando restrito a nenhum tipo específico de instituição: primária ou secundária, pública ou privada. O bullying escolar é, na atualidade, um dos temas que mais preocupa os pais e profissionais das áreas de educação, saúde e segurança pública. Estudos mostram números cada vez mais preocupantes de tal prática nas instituições de ensino.
O termo bullying tem origem Europeia. É uma forma de comportamento complexo com múltiplas facetas, sendo conceituado como um conjunto de comportamentos violentos e agressivos, físicos e/ou psicológicos; adotados de maneira individual ou grupal contra um ou mais indivíduos e caracterizado por sua natureza repetitiva e pelo desequilíbrio de poder, causando dor, angustia e sofrimento.


Violência e agressividade na teoria psicanalítica

Freud entendia a Psicanálise como um sistema de personalidade, na qual abordava três áreas: as forças motivadoras do inconsciente, os conflitos entre essas forças e os efeitos desses conflitos.
O texto O mal estar na Civilização (1930-[1929]) pontua que agressividade ou violência sempre esteve presente na história da humanidade. Nessa obra Freud afirma que somos violentos ao reconhecer “a existência da inclinação para a agressão, que podemos detectar em nós mesmos” e ainda cita a hostilidade de cada indivíduo contra todos e de todos contra um determinado indivíduo. As palavras de Freud reverberam nas palavras de Birman:

Não resta dúvida de que a violência é uma marca que perpassa a história humana, estando presente não apenas em diversas tradições culturais como também em todas as sociedades. Não obstante as múltiplas diferenças existentes nessas e naquelas, nos registros político, religioso e simbólico, a violência está sempre lá, como traço indelével da experiência social, regulando e desregulando ao mesmo tempo as relações entre as subjetividades.

Na visão freudiana, O Complexo de Édipo marca a entrada da criança na cultura, logo a violência se faz presente na entrada do homem na cultura, ou seja, a violência é um ato de cultura. A violência é diferente da agressividade, que é um componente natural dos seres humanos e dos animais
O termo pulsão permeia toda a obra freudiana. Em alemão, as palavras Trieb e Instinkt são sinônimas. Freud adotou a palavra Trieb para traduzir o termo pulsão e diferenciá-la da palavra Instinkt traduzida como instinto. Assim, para Freud Instinkt seria traduzido para o impulso inato animal, deixando a palavra Trieb para designar a força motivadora humana.
Na teoria freudiana a agressividade tem uma origem biológica e social com uma tendência inata para a destruição. Esta tendência pode ser direcionada para o exterior (tendo como alvo outros indivíduos ou propriedades) ou para o interior (podendo levar à automutilação ou suicídio).  Freud afirma que, realmente, parece necessário que destruamos alguma outra coisa ou pessoa, a fim de não nos destruirmos a nós mesmos, a fim de nos protegermos contra a impulsão de autodestruição.
Para Freud essa agressividade resultada da relação intrínseca entre as pulsões de vida ou sexuais com as pulsões de morte.
O termo pulsão de morte surge pela primeira vez em 1920, no texto freudiano Mais além do princípio do prazer levando Freud a compreender melhor os fenômenos clínicos vinculados à compulsão e à repetição, via pela qual as experiências desagradáveis e que incomodam o sujeito são rememoradas em vez de serem esquecida. A pulsão de morte na teoria freudiana apresenta-se como um impulso que visa restaurar um estado anterior de coisas. A energia proveniente da pulsão de morte é "agressiva".
Lacan profere em A ética da Psicanálise: “A pulsão, como tal, e uma vez que é então pulsão de destruição, deve estar para além da tendência ao retorno ao inanimado. O que ela poderia ser? - Senão uma vontade de destruição direta”, ou seja, a pulsão de morte é a pulsão em si mesma.
Na leitura das obras de Freud observar-se que, a ideia de uma tendência à repetição sofre modificações teóricas no seu percurso, tornando-se um conceito de grande importância para a Psicanálise.
O psicanalista francês Jacques Lacan (1963-1964) em O seminário, livro, 11 a considera como um dos quatro conceitos fundamentais da psicanálise.
Desde os primeiros textos de Freud a ideia de uma tendência à repetição (Widerholung) liga-se à de compulsão (Zwang). A repetição funde-se ao funcionamento psíquico inconsciente.
Apesar de, o termo compulsão ter sido documentado numa carta ao médico alemão Wilheim Fliess em 1894, o conceito de compulsão à repetição aparece pela primeira vez na obra freudiana em Recordar, repetir e elaborar escrita em 1914. Neste texto Freud articula a transferência e a resistência com a compulsão à repetição.
A pulsão de morte se presentifica em qualquer momento no qual o sujeito esteja diante uma situação ameaçadora, e a compulsão a repetição emerge como manutenção do principio de prazer. Assim a partir da repetição o sujeito busca elaboração numa tentativa frente aos acontecimentos traumáticos.
Lacan, ancorado na obra freudiana, define a violência como um excesso pulsional e como gozo. Logo, tanto na violência como no sintoma, o gozo está sempre presente, ou seja, há satisfação pulsional tanto para os agressores quanto para as vítimas do bullying.


Referências

BIRMAN, J. Violência, segregação e formas de subjetivação. In: Cadernos sobre
o mal: Agressividade, violência e crueldade. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2009.
CHAUÍ, M. Participando do debate sobre mulher e violência. In: Perspectivas
antropológicas da mulher. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. p. 25-62.
COSTA, J. F. Violência e psicanálise. 2ed. Rio de Janeiro: Graal, 1986.
FANTE, C. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e
educar para paz. 2. ed. Campinas: Versus, 2005.
FREUD, S. (1914) Pulsão e destinos da pulsão. In: Escritos sobre a psicologia
do inconsciente, Vol. I. Rio de Janeiro: Imago, 2004.






Mudanças são possíveis!
                                                  

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